sexta-feira, 12 de abril de 2013

Uma de escola



A aula havia acabado de começar. Era semana de prova. O professor, como sempre muito atento, observava cada aluno cuidadosamente na busca de uma atitude suspeita que denunciasse a cola.
- Mauro, senta direito; virado para frente.
- Ester, costas na cadeira!
- Marta, abaixa a prova!
Foram assim os primeiros minutos. Poucas situações realmente suspeitas; até que um dos alunos deixou cair o lápis. O professor, como um felino selvagem que encontra a sua presa, fixou os olhos no aluno numa tácita acusação.
- Professor, posso pegar o lápis?
- Então acha que não conheço essa estratégia?
- Estratégia? Posso pegar o lápis?
- A velha estratégia do lápis. Se cai uma vez é a questão 1; se cai vinte vezes nos próximos 6 minutos a resposta está dada  a toda a sala: questão 20, e letra F. Ou ainda, o lápis pode ser um código. O L de lápis simboliza a questão 12, já que o L é a 12ª letra do alfabeto. E as letras A, P, I e S, respectivamente indicam a resposta da questão de matemática: 116918; que deve ser uma das alternativas entre as letras A e E da questão 12!
- Professor, a prova é de português!
- Correto, mas deve haver uma questão 12 com uma alternativa 116918!
- Professor, a prova só tem 10 questões e todas são abertas.
- Sim, mas 116918 pode ser um código, por exemplo, para a palavra “lápis”; que pode ser uma alternativa para a questão 12!
- Professor, o senhor está louco? Posso pegar meu lápis, por favor, que continua no chão? Preciso terminar de responder a questão da prova.
A turma toda naquele momento havia parado de fazer a prova para ouvir o discurso do professor. Atônitos, nenhum dos alunos ousava falar sequer um “aí”.
- Posso pegar o lápis, professor?
- Claro! Mas cuidado, estou de olho em você.
Aos pouco, os alunos foram retomando a concentração e recobrando o raciocínio necessário para concluir a resolução da prova. Alguns minutos depois, o silêncio foi novamente quebrado, agora, pela voz de uma simpática aluna:
- Professor, posso pegar minha lapiseira pra fazer a ponta do meu lápis?
- Aha! A velha estratégia da lapiseira!


Augusto F. Guerra

sábado, 8 de outubro de 2011

Epitáfio de veludo

As lágrimas estão cansadas. Não conseguem mais trilhar o caminho dos olhos. Foram tantas idas e vindas que a árida estrada ressecou a vontade. Suas rachaduras são visíveis a cada centímetro de pretensão. O sol de cada dia petrificou a emoção que insensível e fria agora luta para permanecer sempre da mesma cor: cor de azeviche. E como tal permanece sólida e pétrea à procura de seu subsolo preferido para se conter. Não há mais por que chorar, se não mais lágrimas nem emoção são combustíveis para a dor. Só há o que queimar, para que, em coerência com o deserto meu de cada dia, eu me desfaça em cinzas.






Augusto. F. Guerra

Torniquete


A música ainda é a mesma
O coração parece que parou no tempo
Os acordes do passado
Ainda ecoam no mar revolto
Que acorda a tempestade
À vibração de cada nota



E eu que pensei que o tempo rei
Tudo apagasse, cicatrizasse...
Cada olhar, cada mecha de cabelo
Cada centímetro da pele dela
Ainda está em cada sinapse
Do meu cérebro

Toda noite a mesma imagem
Como num deserto, a miragem
Se desfaz
Ao raiar do sol a cama está vazia
Uma densa neblina acompanha
Meus pensamentos durante o dia
E quando a névoa se desfaz
Continuo naquele ônibus
Escuro, frio e solitário
Ouvindo a mesma música
E mergulhando de cabeça
Na mesma realidade sem cores




Augusto F. Guerra

terça-feira, 15 de março de 2011

Resiliência


Construí minha ponte firme e forte
Certo da engenharia de minhas emoções

Na vaidade de minha inocência,
Alardeei em vão meu feito à multidão

Pobre diabo!
No primeiro vento foram-se
As pilastras de sustentação
E meu sonho imergiu nas águas do esquecimento

Os ecos da multidão me diziam o que eu já sabia;
O que minha razão sufocada tentou
Por vezes me dizer

Mas, firme, e certo de que cada fim
É um novo começo
Nado agora em busca da terceira margem do meu rio
Onde recomeçarei impetuosamente tudo outra vez


Augusto F. Guerra

Um passo em falso

Andava pela cidade das estrelas
Cego pelo esplendor das luzes
Quando uma pequenina estrela
Frágil e bela como a divindade
Pediu-me que alçasse vôo com ela
Encantado pela sua beleza, e
Iludido pelo travesso coração
Respondi que sim
Assim seguimos rumo ao universo

Na minha ansiedade em busca de um sol
Esqueci da minha condição de humano
E assim foi
Primeiro o frio
Depois o ar rarefeito
Mais adiante o oxigênio cessou
E meu corpo caiu como uma estrela cadente
No vazio do meu mundo

Augusto F. Guerra

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Nomes, sobrenomes e ... pelo amor de Deus!


Um sobrenome em especial me chamou atenção para começar a escrever essa crônica. Não é o mais importante ou o mais curioso, mas o que deu início a um comentário no trabalho e me estimulou a escrever sobre o assunto. Conheci a pouco tempo o sobrenome Café. Como se refere a um alimento, não pude deixar de associá-lo a outros que originalmente são substantivos comuns: Rua, Cruz, Santos, Carvalho, Câmara, Nascimento, Jesus (que é nome próprio, eu sei, mas em combinação com outros substantivos, gera situações inusitadas), Auxiliadora, Salvação, Barra, Cachoeira, Campos, Chaves, Costa, Guerra, Paz, Leal, Pedreira, Neves,Mattos, Peixe, Quadros, Pontes, Leite, Casas . O que me chamou atenção especial foram as prováveis combinações desses sobrenomes. Imagine se a família Café se unir à família Leite... Os filhos se chamariam como? Café com leite? Imagine: Pedro Café com Leite! Se formos para o nordeste, mais especialmente na Bahia, há lugares em que café com leite é conhecido como pingado. Imagine então: Pedro Pingado. Estranho! Quem não se lembra da velha, clássica e insípida brincadeira do Armando?! Se um membro da família Nascimento se casar com um da família Jesus: Armando Nascimento de Jesus! Acho que a profissão desse sujeito seria previsível: armar presépios no natal (essa é velha).

Há alguns anos conheci a família Casas, e há algumas semanas, vi na TV um lutador cujo sobrenome era Ruas. Curiosamente pensei na junção desses dois nomes e de um descendente dos mesmos: Armando Casas e Ruas (desculpe leitor, mas o nome Armando terei que repetir algumas vezes visto a sonoridade estranha que causa). Provavelmente o Armando vai abrir uma empresa de engenharia, pelo menos o nome já seria um marketing de sucesso.

Agora imagine os sobrenomes Santos e Jesus! A mãe Santos casa com o Pai Jesus e a filha, como uma boa exemplar de uma família evangélica, se chama: Adoração dos Santos e Jesus. Com esse nome essa jovem só vai viver na igreja. Se fosse católica poderia até ser freira, e quem sabe após a morte... Santa! Ainda nessa área cristã, visualize: Benigna Salvação de Jesus! Essa, com certeza, vai estar jogando dominó com Irmã Dulce lá no céu.

E não para por aqui. Armando Guerra e Paz (olha o Armando de novo!). Esqueçamos o grande estrategista Winston Churchill! Com um nome tão sugestivo, o Armando com certeza vai ser ministro da defesa da República Federativa do Brasil. Quando nada pode criar uma milícia de libertação em algum desses países que vive sobre o julgo da opressão militar.

São tantas as combinações - Gloria Salvação de Jesus, Armando Pontes e Casas, Clemente Bispo de Jesus, Amado Leal Filho, América Brasil Paulistano, Teobaldo Pinto Souto, Ada Lima das Laranjeiras, Diorina Trouxada de Costa - que em uma crônica só não conseguiríamos esgotar todas as possibilidades. Por último, não poderia deixar de brincar com um sobrenome que me é muito familiar: Cruz. Da família Cruz de Jesus nasce a amada filha: Benvinda Cruz de Jesus. Essa pobre coitada ou vai ser apedrejada pelos cristãos ou vai fundar uma seita de adoração satânica.

Tá certo que nome é nome, mas, palhaçadas à parte, a menos que você pretenda que seu filho seja motivo de bullying na escola, ou chacota no trabalho, ou que você queira se vingar do nome estrambótico que seu pai e sua mãe te deram, não faça uma miséria dessas com um filho. Lembre do Armando! E lembre que poderia ser pior... se a mãe do Armando fosse Pinto e o pai fosse Amoroso ou de Costa?

Augusto F. Guerra

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ecos de Édipo


Se vir e ir rimam a música ao fim do verso

Por que saudade é uma palavra tão dissonante?


Augusto Guerra